sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

EXCELSIOR: A HISTÓRIA DE UM CINEMA QUE FEZ PARTE DA VIDA DE MILHARES DE JUIZFORANOS



Em fevereiro de 1958, Juiz de Fora conhecia um novo conceito em cinema. Construído numa área localizada bem no centro da cidade e montado com os melhores equipamentos da época: ar-condicionado de última geração, som estereofônico e uma gigante tela atravessada em toda sua largura, o Cine Excelsior foi inaugurado na tarde do dia 06, durante um badalado coquetel oferecido pelos responsáveis pela obra, representados por Armando Favatto, arquiteto que projetou prédio (em homenagem a imprensa local) representada por Athos Branco da Costa, que discursaram e exaltaram a concretização desse arrojado empreendimento.

A inauguração do cinema já vinha sendo divulgada há alguns dias e todos estavam ansiosos para conhecer o magnífico espaço tão anunciado. Após o coquetel, os visitantes se deslumbraram ao entrar na sala e apreciar a belíssima arquitetura interna e o conforto das poltronas tecnicamente dispostas em posições estratégicas. O salão de projeções era algo não menos que extraordinário com 1.250 lugares.

Em seguida, foram exibidos dois documentários, o suficiente para mostrar aos jornalistas o verdadeiro som stereofônico e cenas em cinemascope na telona. No dia seguinte, em sessão especial, com renda revertida ao Abrigo Santa Helena e à Casa Maternal Maria Helena, as 20h30, esta bela casa de espetáculos cinematográficos exibiu o filme “Tarde demais para esquecer”, de Leo McCarey, estrelado por Cary Grant e Deborah Kerr, o primeiro do “majestoso festivo onde do inauguração”, que contava com mais seis produções da Fox Filmes: “O manto sagrado”, “A fonte dos desejos”, “Suplício de uma saudade”, “Príncipe valente”, “A lenda da estátua nua” e “A lança partida”. Mas o cinema foi aberto do grande público somente no dia 08.

Era uma tarde chuvosa. O povo, ansioso, se enfileirava sob a proteção das marquises enquanto aguardava a abertura do cinema. Lá, um mundo fantástico se preparava para entrar em cena. Quando o portão se abriu, os espectadores foram recepcionados por dez bonitas e sorridentes Bandeirantes, moças contratadas para conduzir as pessoas ao interior da sala de projeções. Logo que todos estavam devidamente acomodados, o vibrante som do Hino Nacional inaugurou oficialmente a vida do Cinema Excelsior. Após a solenidade, que contou com a presença do presidente da Fox no Brasil, foi anunciado o início de “O manto sagrado”, “um filme bonito, bem filmado e sentimental”, segundo a coluna de Décio Cataldi no Diário Mercantil do dia 09 de fevereiro de 1958.

Ao término da exibição, ao acender das luzes, algumas pessoas foram flagradas enxugando as lágrimas; algumas senhoras se arrependeram de seus decotes e sentiram frio devido ao super-poderoso ar-condicionado instalado no local. Após cada sessão daquele dia de inauguração, foram distribuídas revistas com toda a programação de fevereiro a maio daquele ano.

Na época da inauguração do Excelsior, havia mais sete cinemas funcionando em Juiz de Fora: Cine Palace, Cine-Theatro Central, Cine São Luiz, Cine Paraíso, Cine Rex, Cinema São Mateus e o Cinema Popular. Mas o Excelsior veio para revolucionar com tanta beleza e imponência que criavam um ambiente perfeito para envolver o espectador na diegese da história.

Dotado com os últimos requisitos da técnica cinematográfica, uma majestosa iluminação, que contava com cerca de 1.050 metros lineares de tubos de néon, uma belíssima cortina de palco, confeccionada com 500m de seda especial e o piso revestido com 250 metros quadrados de lã forrada com feltro. As 1.250 poltronas comportavam confortavelmente os espectadores para que eles pudessem se extasiar com a experiência fílmica que viria em seguida. A tela de cinemascope media 17m de largura por 6,5m de altura. Os projetores Gaumont Kalee eram o que havia de mais moderno na época e a transmissão era feita através de 21 alto-falantes.

O terreno, no qual se encontrava o edifício, foi adquirido por Maurício Teixeira, Álvaro Guimarães, Olympio Reis Filho e Maurício Aguiar. O idealizador do projeto foi “Procopinho”, filho do ex-prefeito da cidade, José Procópio Ferreira. O projeto de Armando Favatto era bastante ousado para uma cidade que possuía apenas cerca de seis prédios com mais de cinco andares.

A idéia inicial era construir um prédio residencial, uma nova sala de exibição de filmes e vender o edifício após a conclusão da obra, localizada à Av. Rio Branco 1909.

Porém, apesar dos proprietários terem em mãos a melhor sala de cinema, não só de Juiz de Fora e região, mas de todo o estado de Minas Gerais, não conseguiram vendê-la. Logo o Cinema Excelsior teve que enfrentar uma concorrência inesperada representada pela TV. Um mês após sua inauguração, uma estação repetidora da TV Tupi foi instalada na cidade. Ainda tentava-se descobrir como seria a convivência entre a Sétima Arte e a TV que chegava e aumentava sua divulgação no país – algo semelhante à popularização da Internet nos dias de hoje. Outro fator que dificultou a venda do edifício foi o tabelamento dos preços, que fez com que os investimentos caíssem. Assim, os próprios empreendedores e permaneceram na condução da sala através da empresa aberta por eles, a Cia. Excelsior Ltda. Mesmo enfrentando desafios e dificuldades desde sua inauguração, o Cinema Excelsior viveu anos de muito sucesso.

Em seus dias mais movimentados, as filas se estendiam pela avenida Rio Branco, passavam pela rua Floriano Peixoto e iam até à Av. Getúlio Vargas. Em entrevista, Waltencyr Parizzi, talvez o ex-funcionário mais ilustre do antigo cinema, relembrou um dos momentos que marcaram os dez anos em que trabalhou no cinema Excelsior. Ele conta sobre a emoção de coordenar tanto aquele universo e proporcionar a tanta gente, cerca de 3000 pessoas por dia, o prazer de assistir a um filme num espaço tão majestoso quanto aquele. Ele se lembra, com um brilho especial no olhar, da época em que as pessoas ficavam emboladas na sala de espera, perto da porta, esperando a sessão terminar para pegar os melhores lugares e, quando entravam, os espelhos ficavam embaçados – tamanho era o calor humano que havia ali. Os dias de maior glamour eram as terças-feiras, dia da “Sessão feminina”, quando as mulheres pagavam meia-entrada. Ao final destas sessões, era possível sentir o perfume deixado por elas na sala vazia. Um dos episódios que marcou a história do Excelsior foi uma sessão do sucesso de bilheteria “Help”, estrelado pelos Beatles. Um grupo de fãs mais “entusiasmado” da banda inglesa chegou a quebrar algumas poltronas e a polícia teve que ser acionada. E assim, o Cinema Excelsior seguiu sua trajetória exibindo belos filmes, servindo de lazer de toda a sociedade, sem restrições de classe, servindo de cenário para histórias fantásticas e divertindo toda uma população.

A partida de década de 70, a arte cinematográfica começou a perder um pouco do glamour dos anos 50. A popularização da TV desencadeou uma crise. O setor já estava estabilizado e novas emissoras iam surgindo. A maioria dos lares em Juiz de Fora já possuía um aparelho receptor, o que representava uma opção mais cômoda de diversão popular e puxava o público para dentro de casa e fora do cinema.

No final da década e início dos anos 80, a sétima arte novamente é vítima da tecnologia doméstica. Desta vez, foi o surgimento do vídeo-cassete, que virou o vilão da história. O novo aparelho abriu outros horizontes de consumo e modificou a forma com que as pessoas interagiam com o cinema, pois a partir dali era possível alugar filmes poucos meses após que saía de cartaz e assisti-lo sem sair de casa. Nada substituía a experiência de assistir um filme no cinema, mas mesmo assim, as escolhas foram ampliadas.

Outro motivo da decadência do cinema foi a instalação de salas menores em shopping centers, que, além da concorrência, eram consideradas mais cômodas por terem estacionamento, praça de alimentação e segurança. As chamadas “salas de rua” passaram a não ser viáveis economicamente porque além de serem muito grandes e gerarem despesas igualmente altas (60% da renda de um filme era destinada aos proprietários do filme e a outra fatia, 40% restantes, era destinada ao exibidor, que usava esse dinheiro também para pagar os impostos, funcionários e despesas fixas como luz e telefone), a falta de estacionamento foi um fator crucial para que o público trocasse essas salas pelas as de shoppings, que além de disponibilizar ao usuário um leque de opções de lazer, possuíam um estacionamento fácil e cômodo. Assim, o público dos chamados cinemas de “beira de rua” foi diminuindo e essas bilheterias já não geravam mais lucros satisfatórios.

O Cinema Excelsior já estava funcionando alguns meses no vermelho, funcionários haviam sido demitidos e os proprietários não tinham como enfrentar a crise do setor.

Os primeiros rumores sobre o fechamento do Cinema Excelsior foram divulgados pela imprensa no dia 02 de novembro dia 1994. A notícia era sobre uma reunião entre Roberto Valancy, representante da Cia. Franco-Brasileira, proprietária do espaço, e Cláudio Bonato, representante da Sercla, o último empresa arrendatária do cinema. Essa reunião seria decisiva, pois ali se optaria pela renovação ou não do contrato de manutenção da locação, vencido já havia um mês. Cláudio Donato já havia demonstrado interesse pela renovação, mas aguardava o pronunciamento da Companhia Franco-Brasileira. No dia 04 de novembro, aconteceu que a sociedade mais temia: a proposta de renovação contratual da Sercla não foi aceita pela Franco-Brasileira e o Cinema Excelsior teve suas atividades interrompidas. O letreiro de “O cliente”, do diretor Joel Schumacher, estrelado por Susan Sarandon e Tommy Lee Jones, foi substituído pelo de “Fechado para reformas” e assim permanece a quase em dezoito anos. A última sessão foi no domingo, dia 30 de outubro de 1994, às 21h. O fechamento desta tradicional sala de exibições gerou protestos e indignação dos moradores do edifício e de toda sociedade juizforana, que já sofria com fechamento de outros cinemas, como o Paraíso e o Palace.

O conselho de moradores do condomínio, representado por Carlos Henrique Teixeira e Maurício Halfeld, prometeu lutar para que o lugar não perdesse sua função cultural, já que começavam a surgir especulações de que a intenção dos proprietários da sala era transformar o edifício em uma casa de culto ou de bingo. A tentação do jogo de bingo, do dinheiro fácil, e a multiplicação das igrejas evangélicas se tornavam grave ameaça à arte e à cultura de todo o país. A cada cinema que se fechava para dar lugar a alguma atividade lucrativa, os setores culturais mostravam sua indignação. A tranqüilidade do condomínio foi apresentada como ponto fundamental para barrar atividades que gerassem barulho, tumulto ou consumo de bebidas alcoólicas (no caso do bingo) no térreo do edifício. Demais membros da sociedade civil e representantes políticos também protestaram contra o fechamento do cinema, “que constitui um grave e empobrecimento cultural da nossa cidade”, segundo o vereador Flávio Cheker, que liderou o processo de preservação do espaço como casa de atividades culturais.

Antes mesmo do encerramento das atividades do Cinema Excelsior, o vereador já havia enviado uma notificação ao então prefeito de Juiz de fora, Custódio de Mattos, pedindo que este se posicionasse diante da possibilidade de fechamento da sala. Flávio Cheker criticava a passividade das autoridades constituídas perante a probabilidade do cinema dar lugar a atividades que apenas visavam lucro, deixando de lado a veia artística do local. “O Cinema Excelsior não pode ser condenado com o aval e o silêncio das autoridades, a ter mesmo melancólico destino dos Cines Palace e Paraíso”, diz Flávio Cheker. Segundo ele, a prefeitura tem como impedir que o espaço seja utilizado para outras finalidades, e citou, como exemplo, as cidades de Belo Horizonte e RJ, cujos então prefeitos Patrus Ananias e César Maia assinaram decretos que impediram que casas semelhantes fossem utilizadas para abertura de bingos. Alguns dias após o “trágico” acontecimento, o vereador convocou uma audiência pública na Câmara municipal, em sessão extraordinária, para discussão do assunto visando a manutenção do Excelsior e a declaração do espaço como bem de interesse cultural. A reunião contou com a presença de representantes da Funalfa, da Câmara municipal, do condomínio, do Grupo Luzes da Cidade e de outras entidades. Os participantes avaliaram as peculiaridades da construção e da localização do cinema, levando em conta que a área urbana onde está inserido imóvel predispõe seu uso para fins culturais. Em 16 de novembro de 1994, a Câmara Municipal solicitou à Comissão Permanente Técnico Cultural (CPTC) do Ipplan, a abertura do processo administrativo para declarar o interesse cultural pelo Cinema Excelsior. Doze dias depois, o requerimento foi aprovado por unanimidade do CPTC e pelo prefeito Custódio de Mattos, que encaminhou notificação dos proprietários do imóvel. A empresa Franco-Brasileira se limitou a dizer que o imóvel não possuía relevância cultural e que outros argumentos seriam posteriormente apresentados.

Em maio de 1995, a questão parecia resolvida: o Decreto Municipal n. 5349 instituiu o cinema como um bem de interesse cultural da cidade. O decreto assegurava a natureza funcional do espaço, garantindo que este fosse apenas utilizado para fins artísticos e culturais e a preservação da arquitetura interna e externa. Assinaram o decreto o então prefeito Custódio de Mattos e a Secretária Municipal de Administração Ana Angélica de Andrade. Assim, o Excelsior foi promovido a status de patrimônio cultural do município. No dia 21 de maio, a Companhia Franco-Brasileira anunciava os preparativos para a re-inauguração do cinema, ainda sem data definida. A notícia causou alegria e alívio em toda a sociedade que se manifestou de diversas maneiras, inclusive num artigo que uma leitora de um jornal enviou à redação em agradecimento pelo empenho das autoridades em reativar um dos espaços culturais mais importante de Juiz de Fora. A reforma incluía novos equipamentos de projeção e 48 alto-falantes, o que havia de mais moderno em exibição de filmes. O restante da sala não passou por qualquer reforma por ter sido considerada dentro dos padrões exigidos pelos técnicos da franco-brasileira. A grande celebração dessa vitória ocorreria no dia 23 de junho, não fossem os problemas técnicos que frustraram a re-inauguração. A montagem dos equipamentos ainda não havia terminado no horário marcado e a festa teve que ser adiada para o dia seguinte. Foi necessária a convocação de mais três técnicos para agilizar os trabalhos. Neste dia, o cinema foi aberto apenas para visitação.

Mas, no dia 24 daquele mesmo mês, as instalações técnicas foram concluídas e o Cinema Excelsior pôde finalmente retomar sua atividade essencial. A Companhia Franco-Brasileira já tinha deixado clara a sua preferência pelos grandes lançamentos e o filme escolhido para a re-inauguração foi “Gasparzinho”, que já estava nas mãos do então gerente do cinema, José Zacarias, havia uma semana. Antes da exibição, foi realizado um ato público simbólico com a presença de todos envolvidos no processo e da sociedade em geral. Segundo Flávio Cheker, a festa marcava uma vitória da comunidade que soube defender patrimônio cultural democrático de toda a população.

A Funalfa havia demonstrado intenção de realizar obras no interior do Excelsior para que este servisse como substituto temporário do Cine-Theatro Central, que estava em obras na ocasião. A idéia era construir estruturas de palco, com coxias e camarins para a realização de espetáculos culturais. O projeto tomaria 100 das 1250 poltronas. A Franco-Brasileira, reconhecendo a demanda da cidade, chegou a demonstrar interesse na concretização da reforma, desde que a Funalfa assumisse as despesas e encargos. Mas a obra nem chegou a sair do papel.



Em julho de 1995, a Cia. Franco-Brasileira, legalmente representada pelo advogado Wandenkolk Moreira, iniciou uma batalha judicial contra a limitação do Excelsior à atividade cultural. A notícia foi recebida com surpresa pela Funalfa e pela sociedade que se viu novamente ameaçada de perder este espaço cultura. O advogado da empresa informou à imprensa que seus clientes não consideravam justa a restrição do uso do local, e que a prefeitura poderia desapropriar o imóvel e comprá-lo se assim o desejasse, mas não pode impor aos proprietários a restrição das atividades sem a devida indenização. Segundo o advogado, a decisão feria o direito do uso de propriedade. Em novembro do mesmo ano, o primeiro round da batalha foi vencido pelo procurador da Franco-Brasileira, que conseguiu obter um mandado de segurança que anulou o decreto municipal que protegia o cinema. A anulação do decreto foi concedida baseada em “ilegalidades quer no que concerne à sua adequação à legislação federal, quer no que concerne ao procedimento administrativo que lhe deu origem” como consta na anulação, assinada pelo Promotor de Justiça Igor Vanelli. O mandato de segurança dizia ainda que “houve abuso e desvio de poder no ato da autoridade apontada como co-autora, impondo restrição à liberdade de uso e fruição de um direito que lhe é constitucionalmente garantido: o de propriedade”. A Cia. Franco-Brasileira alegou ainda que houve falha no processo administrativo quando não lhe foi dado prazo suficiente para analisar o conteúdo e apresentar um memorial, fato que importa em grave ofensa ao princípio contraditório e da ampla defesa. Os proprietários afirmavam que a declaração de interesse cultural do cinema e conseqüentemente o seu uso exclusivamente para atividades culturais e acarretaria prejuízo e a diminuição do valor econômico do imóvel. Em resposta ao mandado de segurança, a prefeitura insistia que houve omissão por parte dos proprietários em justificar os motivos da sua impugnação e que é papel do poder público oferecer uma melhor função social à propriedade, desde que esta esteja sendo mal utilizada. Essa briga judicial se arrastou lentamente.

Em 1996, nada foi decidido quanto ao destino do cinema; em abril de 1997, a Câmara Municipal aprovou um segundo requerimento junto ao Ipplan, cujo objetivo era assegurar a utilização cultural do cinema. Sem resultados conclusivos, Flávio Cheker convocou uma audiência pública para fomentar novas discussões e propostas. Na época, a prefeitura tinha reaberto o processo em prol da declaração de interesse cultural. Desta vez, os responsáveis tomaram cuidado de não cometer novamente os mesmos erros que serviram de base para a anulação do processo anterior. Nessa audiência, foram discutidos o valor cultural e histórico do local, como também o comercial, cogitando-se inclusive a possibilidade de compra. Um ano após o requerimento, a CPTC ainda não havia avaliado situação.

Em julho de 1998, a CPTC definiu a mudança do processo de declaração de interesse cultural para tombamento do cinema, que foi logo negado. Em dezembro do mesmo ano, a CPTC define por unanimidade o não tombamento do imóvel alegando seguinte motivos: Características históricas e arquitetônicas não o justificam; a estréia de grandes lançamentos era realizada em outro cinema da cidade, o Central; mesmo tombado, o imóvel não ficaria restrito obrigatoriamente às projeções cinematográficas; com o tombamento do cinema, parte do bloco da frente do edifício também o seria, o que limitaria os direitos dos proprietários dos apartamentos ali localizados; a divisão da sala em duas menores implicaria em prejuízos para a sua arquitetura interna; o tombamento não assegura reabertura do processo. E nessas condições, o prefeito Tarcisio Delgado opta pelo encerramento do caso em 22 de fevereiro de 1999, ficando o cinema liberado para abrigar qualquer tipo de atividade, desde que o prédio não fosse descaracterizado. Vale ressaltar a diferença entre declaração de interesse cultural e tombamento. Enquanto a declaração de interesse cultural protege o imóvel no exercício de sua função cultural, o tombamento apenas protege arquitetura e as características físicas do local, não sendo obrigatória a utilização deste para fins artísticos. Neste caso, a melhor alternativa é a declaração de interesse, visto que o tombamento impediria as reformas necessárias para adaptação do local às propostas em pauta.

Cerca de dois meses depois, Flávio Cheker requer ao Ipplan a reabertura do processo de declaração de interesse cultural alegando que jamais havia solicitado abertura de processo tombamento. Ele questionava também o fato de o Ipplan ter encerrado o caso devido à existência de um estudo que prevê a extinção da lei de interesse cultural para a adequação da lei municipal à legislação federal, que não prevê este instrumento. A questão levou a Câmara Municipal a convocar a direção do Ipplan e os membros da CPTC para uma reunião extraordinária. Cheker protestou contra a decisão afirmando que não se indefere uma solicitação levando em consideração uma futura mudança da legislação vigente no período da solicitação. Foi um equívoco grave, um atropelo da lei, disse. Em resposta ao vereador, o secretário de governo José Eustáquio Romão, representante o Ipplan, argumentou que mudanças na legislação municipal acarretam mudanças também na elaboração de mensagem do executivo.

Em maio de 1999, Tarcisio Delgado informou a reabertura do processo de declaração de interesse cultural – processo este com o número 4495/94. A partir daí, a prefeitura afirmava que por mais de um ano enfrentou sérias dificuldades à alternativa legal de notificação aos proprietários, já que estes se recusavam a responder os documentos enviados. No final do ano de 2000, a CPTC votou por unanimidade a não declaração de interesse cultural do imóvel. A comissão justificou a negativa com os mesmos argumentos com os quais indeferiu o tombamento do bem. O vereador argumentou novamente que o tombamento e a declaração são instrumentos distintos e que as justificativas para a negação de um não se aplicariam ao outro. Em agosto do ano seguinte, Cheker solicita a reabertura do processo, visto que não houve justificativa para o encerramento do mesmo, meses atrás, mas para sua surpresa foi informado que o caso havia sido novamente encerrado em reunião no dia 25 de julho. Em 2001, a situação do cinema era precária; o imóvel estava em total estado de abandono, sujo e infestado de ratos. “O descaso com o cinema é um descaso com a população juizforana”, disparou o representante dos moradores do edifício Excelsior Sidney Ferreira. Também foi alertado para a perda das referências “é preciso modificar esta cultura de esquecimento”, definiram na época. O vereador convocou nova audiência pública na qual propôs a compra do espaço visando a seguridade de suas atividades culturais ou, na falta de acordo, a desapropriação do local. A meta era, pela enésima vez desde o fechamento da sala de exibição, conseguir a declaração de interesse cultural do imóvel, o que garantiria que ali somente se realizassem eventos culturais. Uma comissão especial foi nomeada pela CPTC para acompanhar de perto o andamento do processo. Mas, diante de mais uma desaprovação da declaração de interesse cultural do antigo cinema, o vereador questionou a legitimidade da comissão nomeada, face a inexistência de documentos que comprovem a indicação de seus atuais membros e também a mudança de opinião da comissão e o desinteresse do poder público em relação ao destino do cinema.

Em outubro de 2002, como “tentativa derradeira” de preservar o cinema, o vereador encaminhou à prefeitura de Juiz de Fora, anexo a um novo pedido de reabertura do processo, um dossiê de 150 páginas com todo o histórico de suas frustradas tentativas de proteger o imóvel. A decisão do vereador foi tomada em função de parecer da CPTC que mais uma vez negou a declaração de interesse do Excelsior meses antes. Até hoje a situação é a mesma: portas fechadas, poder público omisso e a cidade convivendo com cartaz de “fechado para reformas”. Reforma esta que deveria ser feita nos conceitos de quem tem em mãos o poder de preservar o espaço, de proporcionar à sociedade juizforana um centro cultural de alta excelência como aquele espaço tem condição de abrigar e não o faz. É estarrecedor constatar que, em nome da lei do mercado capitalista, onde pouco importa a fonte do lucro, desde que ele exista, aquele belíssimo espaço, com suas infinitas possibilidades, esteja a mercê desse jogo de indefinições quase dez anos depois de seu fechamento. Mas é assim. E assim será até, sabe Deus quando, que alguma solução definitiva seja encontrada. Aliás, encontrada não: acatada pelo poder executivo, já que várias propostas já lhe foram enviadas e até agora, nenhuma atitude rígida em relação a este problema.

A sociedade juizforana anseia não só pela volta do Excelsior, ou pelo imponente centro cultural que poderia vir a funcionar ali, mas principalmente pela conscientização da importância e do privilégio que é ter aqui uma sala de exibição deste porte, que só é comum em grandes capitais como Rio-São Paulo. Juiz de Fora cultiva a cultura do esquecimento: cresceu em proporções aceleradas e se esqueceu de preservar a veia artística tão forte tempos atrás e tão desamparada atualmente. Enquanto isso, a memória cultural da cidade vai sendo esquecida nos arquivos das bibliotecas, em páginas empoeiradas em estantes públicas e na memória de quem teve a honra de viver o ritual que deixar avenida Rio Branco para trás e mergulhar no universo mágico do cinema naquele que é um dos maiores marcos da cultura desta cidade.

No início de 2011, infelizmente, o Cine Excelsior (o Maior Cinema do Interior de Minas Gerias Ainda Preservado) – uma verdade preciosidade da elegância arquitetônica cinematográfica dos anos 1950 – foi declarado “sem interesse cultural” pelo Conselho do Patrimônio Cultural (COMPAC) de Juiz de Fora. Em novembro, o cinema foi destruído em poucos dias…

Fonte: História do Cinema Brasileiro

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